quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Da Análise Comparativa dos Investimentos Públicos


Foi recentemente noticiada a publicação de um estudo, publicado no site do Ministério das Finanças, onde é feita uma análise comparativa dos investimentos públicos (cf.http://www.gpeari.min-financas.pt/investigacao/artigos-do-bmep/2010/Art-01-Promocao-de-Investimento-pelo-Estado-e.pdf/view).
Como alguns das conclusões divulgadas pela imprensa me pareceram algo inesperadas, entendi ir ler o referido estudo, para compreender o raciocínio que conduziu os autores às conclusões noticiadas.
Antes de mais não quero deixar de expressar a enorme importância que atribuo à construção de metodologias de avaliação comparativa de projectos de investimento público, na medida em que isso contribuirá para uma melhor alocação dos recursos públicos aos investimentos realizados, aumentado assim a reprodutividade económica e social do capital dos contribuintes actuais e futuros.
Por isso entendo que a publicação do artigo, bem como toda a produção técnica e cientifica nacional nesta matéria, é muito estimável, sobretudo se conduzir ao estabelecimento de metodologias claras e aplicáveis universalmente aos projectos de investimento apoiados pelo Estado ou, pelo menos, pela Administração Central.
Mas este louvor geral não implica a minha concordância com o conteúdo do artigo referido, e neste caso, há vários aspectos que merecem análise mais cuidada. Hoje irei referir aqui apenas um tema que, pelos elementos publicados, não permite a minha concordância, ficando para futuras oportunidades a discussão de outras temas.
O  Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), tal com o é visto referido documento, é considerado que "será maioritariamente feito por investimento privado" (cf. p. 10), referindo-se que será quase nulo o impacto no défice público e no endividamento público, tendo um enorme contributo para a competitividade e crescimento (cf. p. 15).

Vejamos então então o primeiro aspecto: prevê-se que o investimento no NAL seja feito tendo como contrapartida a cedência pelo Estado de uma parcela substancial do capital da ANA à empresa que se comprometer a executar esta infra-estrutura. Isto significa, que iremos prescindir de um activo patrimonial relevante, cedido como contrapartida do investimento que será realizado, ou seja, simplificando um pouco, serão os cash-flows gerados pelo conjunto dos aeroportos nacionais que irão remunerar os custos do capital que o novo investidor irá aplicar na construção do aeroporto.
Portanto, quando se oferece uma parcela substancial da empresa ANA como contrapartida àquele que vier a construir o NAL, significa que estamos a usar o capital público nesse investimento, o qual poderia manter-se no património do Estado ou, alternativamente, ser privatizado, donde resultaria um encaixe financeiro expressivo que serviria para reduzir o défice e a dívida pública.

Para estimar o valor de uma companhia aeroportuária é comum considerar que este se situe entre 10 e 20 vezes o EBITDA da empresa. No caso da ANA isso significará que a empresa vale entre 1300 e 2600 milhões de euros, considerando os números constantes das contas de 2008. Como porém o estudo de privatização pressupõe que após a construção do NAL irão ser aumentadas as tarifas aeronáuticas em mais de 20% (cf. http://www.naer.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=216140&att_display=y&att_download=y, p. 28), isso implicará uma valorização da ANA superior à referida, na medida em que será aumentada a capacidade de gerar cash-flows no futuro.
Assim, considerando que a construção do NAL envolverá um investimento global de 3 000 milhões de euros e se este for executado através da alienação de uma empresa que tem um valor da ordem dos 2 000 milhões de euros, torna-se claro que, de facto, a construção do novo aeroporto não será suportada maioritariamente por entidades provadas mas antes pelo património público alienado para esse efeito.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Financiamento Público dos Sistema de Transportes na Bélgica


Há alguns meses atrás assisti a uma comunicação muito interessante do professor Jo Van Biesebroeck da Universidade de Louvain (Lewven) sobre os apoios públicos à indústria automóvel, da qual reitirei aliás alguns elementos que anteriormente aqui apresentei.
Entretanto, enquanto arrumava alguns papeis, reencontrei essa apresentação, tendo-me chamado à atenção os slides onde se apresentam alguns números relativos ao financiamento do Estado (Nacional, Regional e Local) a duas empresas de transporte da Bélgica: De Lijn (entidade responsável pelo transporte público na região flamenga) e SNCB (responsável pelo transporte ferroviário de passageiros).

Os níveis de financiamento a estas duas empresas são particularmente impressivos: o subsídio é de 1,98€/viagem na De Lijn e de 6,72 €/viagem na SNCB, enquanto as receitas tarifárias são de 0,30€/viagem e 0,96€/viagem, respectivamente. Ou seja, em ambos os casos os clientes representam 13% dos proveitos, correspondendo o financiamento público a 87% destes.

Fui analisar também as contas da empresa de transporte público da região da Valónia (TEC) em 2008, tendo registado que, neste caso, as compensações regionais e locais representam 79% dos proveitos, ou seja, os passageiros apenas suportam directamente 21% dos custos de funcionamento da empresa.(1)

Os números apresentados revelam um esforço de financiamento muito elevado por parte da administração pública (80 a 87% dos proveitos das empresas) por comparação a um pagamento de dimensão muito inferior por parte dos clientes (13 a 20% das receitas).

Embora existam razões históricas e de política de transportes que conduzem a este elevado nível de financiamento do sistema na Bélgica (e. g. transporte gratuito para os maiores de 65 anos, descontos para os menores de 25 anos, oferta de transporte por 3 anos aos clientes que vendam o seu veículo, redes de transporte nas áreas de baixa procura, frequência do transporte nos horários de menor reduzida), coloca-se também neste país o problema da sustentabilidade económica do modelo de financiamento, não pelas mesmas razões que em Portugal, mas sobretudo porque o peso nos orçamentos locais e regionais representa um esforço expressivo.

Mas, na comparação entre modelos de financiamento dos sistema de transporte público da Bélgica e de Portugal, para além das diferenças expressivas em termos do nível de financiamento existente, dois aspectos diferenciadores merecem atenção:
  • Na Bélgica está claramente atribuída a competência de financiamento aos governos regionais (excepção feita ao sistema ferroviário nacional, que se mantém na competência nacional), ao passo que no nosso país existe uma situação em que essa questão não está totalmente clarificada, pelo menos no que concerne às áreas metropolitanas;
  • As empresas públicas de transporte belgas apresentam situações líquidas bastante confortáveis, com um grau de cobertura do activo pelos capitais próprios relativamente elevado (79% no caso da SNCB, 44% no caso da TEC), o que conduz a níveis de endividamento relativamente contidos, ao contrário das empresas de transporte detidas pelo Estado Português que se encontram, quase todas elas, em situação de falência técnica (capitais próprios negativos) e com níveis de endividamento muito elevados.
(1) - No caso da STIB (empresa de transporte público da região de Bruxelas) não me foi possível obter informação suficientemente desagregada, mas os dados de que disponho é de que neste caso o nível de financiamento é inferior, o que resultará quer da maior densidade demográfica da capital do país e da área envolvente, quer da menor capacidade financeira que a região capital regista, comparativamente à Flandres e à Valónia.