quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Buzinão como forma de luta: Um desabafo



Esta manhã, quando subia a VCI da Arrábida para as Antas, tive uma experiência nova para mim: um grupo de poucas dezenas de automóveis bloqueou a circulação, como forma de protesto ou para dar visibilidade à luta sindical dos enfermeiros. Tanto quanto me apercebi, não se tratou de nenhuma manifestação autorizada.

Quanto à eventual injustiça de que a classe profissional dos enfermeiros possa estar a ser vítima não me pronuncio, porque não conheço o assunto com o detalhe necessário para formar uma opinião fundada. Admito por isso que existam justificações suficientes para as greves que têm efectuado.

O que me parece a mim motivo de preocupação particular é o facto de se utilizar o bloqueamento das vias de comunicação como método de pressão social, ou, numa linguagem mais típica da esquerda tradicional, como forma de luta.
A questão central é a seguinte: será lícito bloquear a rede de transportes como método de defesa dos interesses de uma classe profissional específica?
A minha opinião é de que isso não é de facto razoável, essencialmente por duas razões:
  1. Porque o que acontece nestas situações é uma transferência de custos relevantes para cidadãos que nada têm a ver com o problema em causa. Admitindo que a manifestação referida correspondeu a um bloqueamento da VCI por 1/2 hora, isso representa que o conjunto dos utilizadores da via nesse período terão suportado um custo da ordem dos 125 000 €, considerando um fluxo horário de 6000 veículos/sentido, que cada veículo transporta 1,5 pessoas e que o valor do tempo para as pessoas afectadas é de 7€. É certo que não é nenhuma verba astronómica, mas é igualmente certo que quem suportou esse encargo não terá nenhuma obrigação de o assumir.
  2. Para além do problema da legitimidade, referido no parágrafo anterior, colocam-se igualmente as questões do princípio e do precedente: se considerasse aceitável os enfermeiros bloquearem a VCI, teria que aceitar igualmente que os funcionários públicos o possam também vir a fazer, ou os pilotos da TAP, ou os trabalhadores de uma indústria que encerrou, ou os clientes do BPP, ou qualquer outra situação de defesa de direitos que os manifestantes considerem particularmente relevantes.
A repetição destas situações seria pois um caminho injusto e arriscado: injusto porque o grupo das pessoas prejudicadas nada tem a ver com o problema e arriscado porque, se aceitarmos que esta forma de luta é lícita, não nos podemos opor ao seu alastramento para uma infinidade de outros problemas, que facilmente podem conduzir ao bloqueamento recorrente do sistema de transportes afectando assim um regular funcionamento da economia e do quotidiano da população.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

OE 2010 e Financiamento do Sector dos Transportes



Dando uma leitura rápida e parcial à proposta do OE 2010, ontem apresentado na Assembleia da República, para obter alguma informação adicional ao post publicado no passado dia 22, obtive dois dados interessantes:

1. Na presunção de o OE vir ser aprovado sem alterações neste domínio, cuja probabilidade não sei avaliar, diria que este documento traz notícias relativamente animadoras em matéria de financiamento do sistema de transportes, já que prevê um aumento das Indemnizações Compensatórias atribuídas às empresas de transporte, que corresponderão em 2010 a 317 M€, representando um aumento de 21,7% relativamente ao ano anterior (cf. Quadro IV.19, p 241 do Relatório).
Este crescimento, se ocorrer nos termos ontem apresentados e se os anos seguintes mantiverem esta tendência, significa que será possível que as 6 maiores empresas de transporte detidas pelo Estado (REFER, CP, MLisboa, MPorto, Carris e STCP) se aproximem mais rapidamente dum equilíbrio dos resultados operacionais do que o previsto no referido post, onde se apontava para isso acontecesse em 2015.
Sublinho porém que este equilíbrio da conta operacional não corresponde a resultados líquidos positivos, mas está bem longe disso: o grande peso dos encargos gerados pelo passivo remunerado destas empresas conduzem a resultados financeiros expressivos -380 M€ por ano (valores de 2008), e só poderão ser reduzidos através da dimunuição do elevado endividamento que actualmente estas empresas registam.

2. Ainda no plano do financiamento do sistema de transportes, regista-se que o valor previsto para as rendas das parcerias público-privadas no sector, representarão este ano 526 M€ (143 do sub-sector ferroviário e 383 do sub-sector rodoviário, cf. p. 206 e 207 do Relatório). Os valores destas rendas previstos para o final da década aponta já para valores anuais de cerca de 1200 M€.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Necessidades de Financiamento do Sistema de Transportes Públicos



Aproveitando uma recolha de dados que efectuei, no âmbito da preparação de um trabalho sobre financiamento dos sistemas de transporte, pareceu-me oportuno estimar qual a evolução espectável das necessidades de financiamento das empresas do sector em Portugal. Trata-se naturalmente de um exercício simplificado que pressupõe a manutenção da tendência dos últimos anos, pelo que o futuro próximo poderá revelar-se um pouco mais animador ou desanimador do que os valores aqui previstos. Em todo o caso esta avaliação permite avaliar a dimensão deste problema.

Os dados a seguir apresentados reportam-se às 6 maiores empresas do Estado do sector dos transportes (REFER, CP, MLisboa, MPorto, Carris e STCP), das quais foram recolhidos, através dos respectivos
relatórios e contas anuais, elementos relativos aos resultados e aos capitais próprios.
Um primeiro aspecto relevante é o facto destas 6 empresas registarem, no final de 2008, capitais próprios negativos com uma dimensão apreciável: o conjunto apresentava uma situação líquida negativa que ultrapassava 4 300 milhões de euros (M€), ou seja, para retirar as empresas da situação de falência técnica em que todas elas se encontram, seria necessário o Estado injectar aquele montante, operação que, se tivesse ocorrido, teria gerado um aumento do défice público em mais 2,6% do PIB.

Temos portanto que, se o Estado tivesse aumentado os capitais das suas empresas de transporte em 4,3 mil M€ no final de 2008, ficaria parcialmente resolvido um grave problema financeiro que estas registam, mas, todavia, ficaria ainda por resolver o problema económico que conduziu a esta situação. De facto, a degradação do capital destas empresas decorre principalmente da acumulação de resultados operacionais negativos (334 M€ em 2008), os quais por sua vez obrigam a aumentar a dívida e, por essa via, geram-se esultados financeiros igualmente negativos tembém já muito expressivos (166M€ em 2008), mesmo numa conjuntura como a actual em que as taxas de juros são particularmente baixas.

Acontece que os resultados operacionais já consideram como proveitos as indemnizações compensatórias (IC) que são atribuídas pelo Estado. Ora as IC concedidas a este conjunto de empresas situam-se entre 130 e 170 M€ por ano (170 M€ em 2008), revelando claramente que este apoio do Estado para compensar as obrigações de serviço público existentes é manifestamente insuficiente para o desejável equilibrio das contas das empresas: Tomando como base o ano de 2008, seria necessário que as IC atingissem 507 M€ (2,9 vezes superiores ao valor efectivo do apoio do Estado) para que os resultados operacionais fossem nulos.

Há que reconhecer que, nos últimos anos, tem evoluído favoravelmente o rácio entre as necessidades de financiamento operacional (compensações que seria necessário o Estado atribuir para equilibrar as operações das empresas) e as IC efectivamente transferidas (4,2 em 2004, 2,9 em 2008). Em todo o caso é patente que, a manter-se esta tendência de convergência entre as IC e as necessidade de financiamento operacional das empresas, apenas em 2015 se verificará um equilíbrio... Mas até lá ter-se-ão acumulado qualquer coisa como mais 1500 M€ de prejuízos operacionais adicionais.


Em síntese, diria que, a manter-se a actual tendência de correcção do financiamento operacional do sistema de transportes, o subfinanciamento desaparecerá em 2015, mas, nessa altura, será necessário injectar nestas 6 empresas um valor entre 5 500 M€ (2) e 6 000 M€  (3,4% a 3,5% do PIB) para as retirar da situação de falência técnica.
 
(1)          – Os valores apresentados para o período 2009 a 2015, ambos inclusivé, são estimativas tendo como pressuposto que o rácio Necessidades de Financiamento Operacional/IC irá evoluir nesse período de acordo com a tendência evidenciada no quinquénio anterior (2004 a 2008)
(2)          – Correspondentes aos 4 300M€ actualmente necessários, acrescidos de 1 400 M€ de resultados operacionais acumulados no período 2009 a 2015 e 1000 a 1400 M€ de resultados financeiros adicionais também acumulados também nesse período

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Prioridades na Rede de Alta Velocidade



Li no jornal Público de hoje (14 de Janeiro) que o candidato à presidência do PSD, Dr. Pedro Passos Coelho, "defende que o TGV se deve limitar à ligação entre Lisboa e Madrid".
Saliento desde já que não pretendo com este post ter qualquer participação, e muito menos influência, no debate pela liderança do PSD, quer porque não li o livro que o referido candidato preparou quer porque não sou militante de nenhum partido, pelo que seria incorrecto ou abusivo participar nessa discussão.
Assim, a opinião que adiante manifesto apenas pretende questionar a afirmação apresentada no título de jornal, e não necessariamente as ideias apresentadas pelo referido candidato, que não conheço suficientemente, e muito menos comentar a sucessão partidária no PSD.

Vamos então à questão que considero central: será mais necessária e urgente uma ligação em alta velocidade (AV) entre Lisboa e Madrid ou entre Lisboa e o Porto?

Começando por lembrar alguns números: a estimativas de procura da RAVE para a ligação em AV entre Lisboa e Madrid apontam para 1,9 milhões de passageiros/ano, enquanto que para a ligação Lisboa-Porto esta se situa em 4,1 Milhões de passageiros/ano, ou seja, cerca de 2,2 vezes superior à primeira (cf. estudo Análise Custo-Benefício das linhas de Alta Velocidade Lisboa Porto e Lisboa-Madrid... , elaborado pela TIS para a RAVE, páginas 24 e 25, disponível em http://www.rave.pt/tabid/183/id/94/attachid/0/Default.aspx).
Significam estes valores que a ligação litoral, entre Lisboa e o Porto, em AV deverá ser, do ponto de vista económico e social, mais interessante do que a ligação em AV a Madrid. De facto, os estudos realizados pela RAVE referem uma taxa interna de renatibilidade (TIR) sócio-económica para a primeira ligação de 11%, enquanto para a ligação entre Lisboa e Madrid esta se situa em 3,5%. Dito de outra forma: no primeiro caso os benefícios sociais e económicos, muito diferidos no tempo, equilibrariam os custos, temporalmente bastante mais concentrados, desde que a taxa de remuneração do capital fosse inferior a 11%, ao passo que no segundo caso, esta taxa teria que ser igual ou inferior a 3,5% para permitir o equilíbrio referido entre custos e benefícios.

É certo que se poderá argumentar que  a construção de uma infra-estrutura desta dimensão tem impactos importantes que não são totalmente considerados nas avaliações económicas e sociais, nomeadamente as que se situam no plano do ordenamento do território, podendo estes impactos levar a uma alteração das posições relativas entre as duas hipóteses em análise, isto é, conduzindo a que se afigurasse mais relevante para a sociedade escolher a opção que apresentava uma menor rentabilidade, caso fosse necessário seleccionar apenas uma das ligações.
Aqui estamos numa área mais subjectiva, em que a imagem do que pretende cada um de nós que o país seja num horizonte de longo-prazo joga um papel relevante. Em todo o caso, entendo que a ligação litoral apresenta argumentos que a tornam mais interessante para Portugal do que a ligação ao centro da península.
Apresento por isso algumas ideias que suportam esta minha inclinação:
  • a ligação entre Lisboa e o Porto permite uma melhor articulação de todo o litoral português, contribuindo para um ordenamento desta área de alta densidade e melhorando as condições de funcionamento do sistema de transportes, numa área onde habita grande maioria da população portuguesa e onde se gera a maior parte do produto;
  • Este investimento não só permite retirar a actual prevalência quase asfixiante do transporte privado no corredor litoral, transferindo importantes fluxos para o modo ferroviário, como também torna muito mais competitivo o transporte de mercadorias por via férrea, pois elimina o actual estrangulamento que representa a Linha do Norte para o tráfego ferroviário de mercadorias, situação que actualmente limita a capacidade competitiva do sector;
  • a articulação Norte-Sul consolida os espaços metropolitanos portugueses, permitindo mesmo alargar a área de influência destes ao noroeste Galego, ao passo que a ligação ao centro de península contribui, ainda que modestamente, para reforçar a posição periférica de Lisboa e do Porto relativamente a Madrid.
É certo que a ligação Nascente-Poente tem também vantagens em termos de ordenamento do território, nomeadamente pela maior proximidade que confere ao Alentejo e à Estremadura espanhola. Porém, estas regiões registam densidades económicas e demográficas muito inferiores às do litoral, o que me conduz a concluir que, mesmo do ponto de vista do ordenamento do território, a ligação Norte-Sul tem vantagens bastante superiores.


Por tudo isto diria que, na falta de argumentos posteriores que possam vir a demonstrar-se como muito relevantes, caso fosse necessário escolher apenas uma das ligações, na minha modesta opinião se deveria optar pela pelo corredor Lisboa-Porto, em detrimento da ligação Lisboa-Madrid.

PS - A imagem apresentada não tem nada a ver com a alta-velocidade ferroviária, mas aproveitei para publicar uma fotografia onde captei o farolim do molhe antigo da Foz do Douro a resistir às vagas na passa segunda-feira.