sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Eficiência Ferroviária e Crescimento: Algumas Hipóteses



Li recentemente um artigo interessante de Theodore Keller (1) onde é analisada a questão das economias de escala no transporte ferroviário de mercadorias.
Um dos pontos ali focados é o da densidade de tráfego eficiente, correspondendo este conceito ao valor do tráfego em determinada via a partir do qual os custos médios são aproximadamente constantes, ou seja, a partir desse ponto poderão ser desprezadas as economias de escala (custos médio e marginal constantes e aproximadamente iguais).

Os valores ali apresentados como referenciais para a densidade de tráfego da via situam-se entre 7 e 10 milhões de toneladas.km por km de via, ou seja, em cada secção da via passem anualmente 7 a 10 milhões de toneladas de carga.

Fiquei assim com curiosidade sobre quais seriam os valores médios deste indicador para Portugal, União Europeia a EUA, pelo que fui consultar as estatísticas de tráfego de ferroviário de mercadorias mais recentes, tendo encontrado alguns dados que gostaria de partilhar:.
  • Nos EUA, as 7 companhias de transporte ferroviário de mercadorias classificadas como Class I (facturaçao anual superior a 400 milhões de USD) registam, no seu conjunto, uma densidade média de tráfego na rede de 18,66 milhões de toneladas.km por km de via (ano de 2006), valor portanto bastante superiores ao limiar atrás referido para a densidade de tráfego eficiente;
  • Na União Europeia (27 países) esse valor é de 1,92 (ano de 2005), cerca de 1/10 do rácio norte americano;
  • Em Portugal (ano de 2005) a densidade média é de 0,96 (2), cerca de 1/20 do valor registado nos EUA.
Para o caso português, se, por absurdo, considerássemos que todo o tráfego de mercadorias se efectuasse exclusivamente nos 300 km da linha do Norte, este indicador situava-se em 8,5 ton.km/km, menos de metade do registado nos Estados Unidos.

Resulta pois como óbvio que nos EUA a rede ferroviária principal é utilizada muito mais intensamente pelo tráfego de mercadorias do que na Europa, o que em parte poderá estar associado ao facto de a maioria dessa rede servir exclusivamente para o transporte de mercadorias, não servindo o tráfego de passageiros.

Paralelamente, verifica-se que o transporte ferroviário de mercadorias nos EUA (avaliado em toneladas.km) tem observado taxas de crescimento elevadas (taxa média de 2,8% /ano no período 1995 a 2005), muito superiores às registadas na Europa (taxa média de 1,1% /ano no período 1995 a 2006).

Estas constatações levantam as seguintes hipóteses explicativas desta dinâmica do transporteferroviário de mercadorias nos Estados Unidos:
  • será que esta dinâmica está associada ao carácter privado das empresas ferroviárias?
  • estará relacionada com uma utilização mais intensa da via, possível pela especialização das redes de passageiros e de mercadorias?

Se a primeira hipótese estiver correcta, então possivelmente o transporte ferroviário de mercadorias na Europa irá registar um maior crescimento no médio prazo, dado o processo de entrada de novas empresas a operar mercadorias, como é o caso da Takargo (grupo Mota/Engil) em Portugal;

Se a segunda hipótese for verdadeira, significará que se justificará uma maior especialização da rede ferroviária europeia, segregando os tráfegos de passageiros e de mercadorias nas áreas em que se verificam congestionamentos na rede, de que é exemplo no nosso país a Linha do Norte, em particular entre Aveiro e o Porto.

(2) - Competition, Natural Monopoly and Scale Economies, in Transport Economics - Selected Readings, publicado por Harwood Academic Publishers   

(1) - Considerando a extensão total de rede de via larga em serviço

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