segunda-feira, 27 de julho de 2009

A Linha do Norte Americana



Portugal, a partir dos anos 80, apostou num projecto de modernização da Linha do Norte, com o objectivo de, com a remodelação da via e introdução de comboios pendulares, permitir a ligação Porto-Lisboa em cerca de 2 horas. Foi provavelmente um grande erro de política de transportes, pois após um investimento massivo (só nos anos 2003 a 2007 foram ali investidos 660 Milhões de Euros na infra-esrutura) o objectivo está muito longe de ser atingido: o tempo de viagem foi reduzido 17 minutos, de 3:00 horas para 2:43.

Curiosamente encontrei uma situação nos EUA com diversas semelhanças, que passo a descreversucintamente
  • Em 1971 é apresentado o projecto do Northeast Corridor (NEC) cujo objectivo consistia em remodelar a ligação ferroviária Washington D. C. - Nova York - Boston, numa extensão de cerca de 735 km, de modo a permitir ligar Washington com Nova York em 2 horas e Nova York com Boston em 2:45. O projecto consistia na renovação da via e introdução de comboios pendulares, estabelecendo uma estimativa de custos de 460 milhões de dólares.
  • Era considerado este projecto como particularmente importante, não apenas pelo impacto no sistema de transportes mas também porque, caso fosse bem sucedido, permitiria remodelar outros corredores de transporte ferroviário de passageiros.
  • Em 1975, o plano de beneficiação aponta já para um investimento global de 946 milhões e um período de execução de 7 anos.
  • Em 1976 o Congresso americano aprova uma dotação orçamental de 1 750 milhões de dólares
  • Em 1978 é tornado público que, para os comboios poderem fazer a pendulação seria necessário realinhar uma parte significativa da ligação NY-Boston, pois o afastamento entre as vias (gabarit horizontal) não o permitia.
  • Em 1979 um relatório do General Controller sobre o projecto é arrasador, indicando que o orçamento de 1750 milhões era insuficente, que 98% dos planos de trabalho estavam atrasados, que todas as metas temporais estavam em incumprimento... e que, para concluir o projecto, seriam necessários 2 900 milhões de dólares. Propõe, para além disso, que a responsabilidade do projecto transitasse da Federal Railroad Administration (FRA) para a AMTRAK, o que veio a acontecer.
  • Em 1986 o tempo de viagem entre Washington e Nova York tinha sido reduzido 23' (de 2:59 para 2:36) e entre Nova York e Boston 27' (de 4:24 para 3:57), considerando a FRA que o grosso do programa NECIP estava terminado, embora muitas das intervenções não tivessem sido efectuadas por insuficiência orçamental.
  • Em 1990 um estudo dos governadores dos Estados do Noroeste conclui que é possível reduzir o tempo de viagem entre NY e Boston para 3 horas com um novo projecto e em 1994 o Secretário do Transportes aprova o NEC Transportation Plan NY-Boston com esse objectivo e um orçamento adicional de 3100 milhões de dólares.
  • Em 2000 entra em funcionamento o serviço Accela, com comboios pendulares e reforço da oferta, mas 3 anos de atraso.
  • Em 2004 um relatório do Government Accountability Office (GAO) sobre o projecto é também demolidor relativamente à gestão do projecto.
  • Em 2006, apesar dos 3 200 milhões de dólares aplicados neste segundo programa de 1990, continuava por concluir o programa, com alguns dos projectos de 1983 ainda por executar, e o tempo de viagem NY-Boston era de 3:30 (redução de 27'), ainda longe da meta estabelecida essa ligação (3:00 horas). Em todo o caso, o serviço Acela (Washington-NY e NY-Boston) representava já 44% da AMTRAK.
Entretanto, este projecto, que correspondeu a um investimento de cerca de 5 000 milhões de dólares (11 vezes mais do que a primeira estimativa, a preços correntes) absorveu 75% dos apoios federais para renovação da rede ferroviária no período 1990 a 2005.

Naturalmente que esta experiência em vez de ser estimulante para incentivar outros investimentos na modernização da rede ferroviária de passageiros nos EUA foi, pelo contrário, um elemento de desmotivação das administrações norte-americanas das últimas décadas para renovar este sector, nomeadamente através da construção das redes de alta-velocidade.

Parece-me pois que esta história tem semelhanças com o projecto de remodelação da linha do Norte. Subsiste porém uma diferença que é a dos portugueses, por regra, não se assustarem tanto com o pagamento dos investimentos não tendo, por isso, sido tão afectada a política de desenvolvimento do sector ferroviário.

A minha opinião é que, de facto, se torna necessário modernizar a ligação Porto-Lisboa, mas com uma nova via, pois são vários os exemplos de intervenções incrementais de beneficiação, em que nunca mais o projecto acaba nem se atingem os objectivos estabelecidos e muito menos se cumpre o orçamento estabelecido para atingir as metas propostas.

2 comentários:

Jose Silva disse...

João


Tanto quanto sei o problema de velocidade da linha do Norte é o excesso de trafego em certos troço.

não será mais viável fazer variantes às cidades, novas em bi-bitola?

Joao Marrana disse...

A questão actual mais premente é de facto a saturação, mas subsiste também o problema da velocidade e do afastamento entre vias para permitir a pendulação.

Quanto ao problema da saturação não me parece que passe por efectuar variantes, pois, por exemplo, entre Aveiro e o Porto todo o troço está saturado o que implica que quaisquer aumentos de capacidade obrigam a uma nova via entre estas duas cidades. Acresce que a execução de variantes ferroviárias é mais complexa do que as rodoviárias (maiores raios de concordância horizontal e vertical, inclinações muito menores, e a bi-bitola também não é uma solução de implementação muito fácil e barata (aparelhos de mudança de via, inclinações tranversais para velocidades elevadas desejavelmente diferentes das relativas aos veículos suburbanos e de mercadorias, entre outros).

Relativamente ao problema da velocidade e gabarit horizontal para a pendulação, ambas obrigam a extensos realinhamentos de via, ou seja a construir tramos de extensão expressiva, com a agravante de ser muito mais difícil e oneroso fazer intervenções com a via em operação ferroviária.

Pela minha parte, dou razão à Secretária de Estado dos Transportes, quando faz a comparação de que quando se pretendeu melhorar a ligação rodoviária entre o Porto e Lisboa não se fez uma requalificação da estrada mas sim uma via nova, senão seriam anos com a EN1 sempre em obras e com um resultado final que dificilmente seria satisfatório. Entendo que também na ferrovia o paradigma deveria ser semelhante, ou seja, qualquer salto qualitativo e quantitativo com expressão deverá ser feito com nova via. Dou o exemplo dos 700 M€ investidos em 5 anos que não geraram nenhum upgrade radical. E não estou a contabilizar o valor investido nos anos anteriores nem em 2008...