quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Prioridades na Rede de Alta Velocidade



Li no jornal Público de hoje (14 de Janeiro) que o candidato à presidência do PSD, Dr. Pedro Passos Coelho, "defende que o TGV se deve limitar à ligação entre Lisboa e Madrid".
Saliento desde já que não pretendo com este post ter qualquer participação, e muito menos influência, no debate pela liderança do PSD, quer porque não li o livro que o referido candidato preparou quer porque não sou militante de nenhum partido, pelo que seria incorrecto ou abusivo participar nessa discussão.
Assim, a opinião que adiante manifesto apenas pretende questionar a afirmação apresentada no título de jornal, e não necessariamente as ideias apresentadas pelo referido candidato, que não conheço suficientemente, e muito menos comentar a sucessão partidária no PSD.

Vamos então à questão que considero central: será mais necessária e urgente uma ligação em alta velocidade (AV) entre Lisboa e Madrid ou entre Lisboa e o Porto?

Começando por lembrar alguns números: a estimativas de procura da RAVE para a ligação em AV entre Lisboa e Madrid apontam para 1,9 milhões de passageiros/ano, enquanto que para a ligação Lisboa-Porto esta se situa em 4,1 Milhões de passageiros/ano, ou seja, cerca de 2,2 vezes superior à primeira (cf. estudo Análise Custo-Benefício das linhas de Alta Velocidade Lisboa Porto e Lisboa-Madrid... , elaborado pela TIS para a RAVE, páginas 24 e 25, disponível em http://www.rave.pt/tabid/183/id/94/attachid/0/Default.aspx).
Significam estes valores que a ligação litoral, entre Lisboa e o Porto, em AV deverá ser, do ponto de vista económico e social, mais interessante do que a ligação em AV a Madrid. De facto, os estudos realizados pela RAVE referem uma taxa interna de renatibilidade (TIR) sócio-económica para a primeira ligação de 11%, enquanto para a ligação entre Lisboa e Madrid esta se situa em 3,5%. Dito de outra forma: no primeiro caso os benefícios sociais e económicos, muito diferidos no tempo, equilibrariam os custos, temporalmente bastante mais concentrados, desde que a taxa de remuneração do capital fosse inferior a 11%, ao passo que no segundo caso, esta taxa teria que ser igual ou inferior a 3,5% para permitir o equilíbrio referido entre custos e benefícios.

É certo que se poderá argumentar que  a construção de uma infra-estrutura desta dimensão tem impactos importantes que não são totalmente considerados nas avaliações económicas e sociais, nomeadamente as que se situam no plano do ordenamento do território, podendo estes impactos levar a uma alteração das posições relativas entre as duas hipóteses em análise, isto é, conduzindo a que se afigurasse mais relevante para a sociedade escolher a opção que apresentava uma menor rentabilidade, caso fosse necessário seleccionar apenas uma das ligações.
Aqui estamos numa área mais subjectiva, em que a imagem do que pretende cada um de nós que o país seja num horizonte de longo-prazo joga um papel relevante. Em todo o caso, entendo que a ligação litoral apresenta argumentos que a tornam mais interessante para Portugal do que a ligação ao centro da península.
Apresento por isso algumas ideias que suportam esta minha inclinação:
  • a ligação entre Lisboa e o Porto permite uma melhor articulação de todo o litoral português, contribuindo para um ordenamento desta área de alta densidade e melhorando as condições de funcionamento do sistema de transportes, numa área onde habita grande maioria da população portuguesa e onde se gera a maior parte do produto;
  • Este investimento não só permite retirar a actual prevalência quase asfixiante do transporte privado no corredor litoral, transferindo importantes fluxos para o modo ferroviário, como também torna muito mais competitivo o transporte de mercadorias por via férrea, pois elimina o actual estrangulamento que representa a Linha do Norte para o tráfego ferroviário de mercadorias, situação que actualmente limita a capacidade competitiva do sector;
  • a articulação Norte-Sul consolida os espaços metropolitanos portugueses, permitindo mesmo alargar a área de influência destes ao noroeste Galego, ao passo que a ligação ao centro de península contribui, ainda que modestamente, para reforçar a posição periférica de Lisboa e do Porto relativamente a Madrid.
É certo que a ligação Nascente-Poente tem também vantagens em termos de ordenamento do território, nomeadamente pela maior proximidade que confere ao Alentejo e à Estremadura espanhola. Porém, estas regiões registam densidades económicas e demográficas muito inferiores às do litoral, o que me conduz a concluir que, mesmo do ponto de vista do ordenamento do território, a ligação Norte-Sul tem vantagens bastante superiores.


Por tudo isto diria que, na falta de argumentos posteriores que possam vir a demonstrar-se como muito relevantes, caso fosse necessário escolher apenas uma das ligações, na minha modesta opinião se deveria optar pela pelo corredor Lisboa-Porto, em detrimento da ligação Lisboa-Madrid.

PS - A imagem apresentada não tem nada a ver com a alta-velocidade ferroviária, mas aproveitei para publicar uma fotografia onde captei o farolim do molhe antigo da Foz do Douro a resistir às vagas na passa segunda-feira.

3 comentários:

JT disse...

Que agradável tê-lo de volta. Boa continuação!

Ricardo Sousa disse...

Sim. Resistindo a ventos e marés.

Com um abraço amigo,
Ricardo Sousa

Anónimo disse...

Excelente exercício com o qual estou 100% solidário!