segunda-feira, 29 de junho de 2009

Alta Velocidade nos EUA e na Europa


O vídeo que coloquei neste blog no dia 26 com o discurso do Presidente Barak Obama, sobre o lançamento do programa de Alta Velocidade nos EUA pode prestar-se a algumas comparações incorrectas, já que os conceitos americano e europeu de alta velocidade são muito diferentes, em particular nos seguintes aspectos:
  • as ligações potenciais em análise (ver imagem acima) são quase exclusivamente relativas a intervenções de beneficiação da infra-estrutura existente e em serviço, enquanto na Europa os projectos de alta velocidade dizem geralmente respeito à construção de novas vias;
  • resultado do muito baixo investimento no transporte ferroviário de passageiros (média e longa distância) desde a II Guerra Mundial (ver gráfico, no qual ferroviário está a verde, transporte aéreo a amarelo e transporte rodoviário em azul), a situação de partida nos EUA é muito diferente da Europeia, já que a quota de mercado do transporte ferroviário de passageiros na América é quase residual (0,3% nos EUA e 6,1% na Europa, ambas medidas em passageiros.km) e a infra-estrutura encontra-se muito pouco actualizada; tenha-se presente que na União Europeia estão em serviço 107 mil km de via férrea electrificada ao passo que a extensão total da rede de transporte de passageiros nos EUA se resume a 22 mil km;
  • as exigências de projecto nos EUA são menos ambiciosas, por exemplo com valores de velocidade máxima que oscilam entre 110 e 150 MPH (180 a 240 km/h), enquanto na Europa estas normalmente se situam em valores entre 200 e 350 km/h, e prevendo quase sempre uma via de alta velocidade partilhada com outros serviços ferroviários.
Resulta pois que o programa norte-americano de rede de alta velocidade ferroviária (HSR) é muitíssimo menos ambicioso que o europeu, quer em termos de metas (menor extensão da rede, menor velocidade de projecto, utilização partilhada da via, horizontes temporais mais tardios) quer em termos de volume de investimento. Veja-se que no programa federal americano de recuperação e re-investimento (ARRA), lançado pelo Presidente Obama, com uma dimensão de 787 mil milhões de USD, apenas 8 mil milhões se destinam a co-financiar projectos de alta velocidade. Como termo de comparação devemos ter presente que só em Portugal o co-financiamento previsto pelo Estado no investimento a efectuar nas 3 linhas de alta velocidade ascende a 3,9 mil milhões de USD (36% de comparticipação pública num investimento de 7,75 mil milhões de euros), com prazos de execução da mesma ordem de grandeza.

Em síntese, quando nos EUA se fala em alta velocidade, o conceito não é igual ao da Europa, quer em termos de ambição de mercado, quer de especificações de projecto, quer de esforço de investimento público.

Nos próximos dias irei apresentar uma descrição muito sintética de um dos projectos de alta velocidade em curso nos EUA, para maior ajudar a ver as diferenças.

Cumpre-me por último fazer uma declaração pessoal, para evitar mal-entendidos: sendo eu um acérrimo defensor da necessidade de investimento no sistema ferroviário nacional, fundamentado quer em razões ambientais quer de eficiência económica, o que aqui é exposto é que existe uma diferente focagem entre a Europa e a América, evidenciando que, mesmo com este novo programa, os EUA não conseguirão investir o suficiente para se aproximarem do padrão de qualidade e da quota de mercado do transporte ferroviário de passageiros na Europa.

Os comentários são sempre bem vindos!

2 comentários:

Rui Monteiro disse...

Caro João Marrana,

As minhas insónias dão-me para umas viagens pela blogosfera. Acabai por aqui te encontrar. Parabéns pela iniciativa. Espero que continues com o mesmo ânimo. Isto de escrever com regularidade não é fácil. Já tentei e quedei-me por uma média de um “post” por mês.

Vamos ao que interessa. Não há nada melhor do que ter um engenheiro a falar de transportes. Nos EUA, na Europa ou em Portugal, que é o mais me interessa, devemos ter as linhas de caminho de ferro que necessitamos. Só devemos começar a falar das que podemos pagar depois disso esclarecido.

A minha percepção é a seguinte: a linha do Norte está saturada. Não cabe lá nem mais um suburbano quando mais um Alfa ou um Intercidades. Precisamos urgentemente de uma nova linha Porto-Lisboa. Discutir se é de Alta Velocidade de ou Velocidade Alta ou de outro tipo qualquer só faz com que esta urgência não senha sublinhada. A(s) minha(s) pergunta(s) é(são): não devíamos começar o mais rapidamente possível essa nova linha? Não se devia isolar a questão da necessidade desta linha do plano para o TGV em Portugal? Não devíamos parafrasear o Alqueva com o “façam-me, porra!”?

Um abraço.

Rui Monteiro

Joao Marrana disse...

Olá Rui,

Muito gosto em ver-te, digo ler-te, por aqui.
Subscrevo a tua opinião: o facto de se meter a Linha do Norte na saga dos TGV contamina todo o processo.
O que é para mim adquirido:
a) a linha do norte está saturada;
b) a existência de uma ligação em menos de 2:30-2:40 horas entre Porto e Lisboa depende da construção de uma nova linha a orte de Aveiro, pois o canal não é "alargável";
c) A oferta de um serviço suburbano Porto-Aveiro cadenciado (intervalos entre passagens relativamente estáveis) exige uma nova linha;
Daqui decorre que se torna então necessária uma linha alternativa à Linha do Norte, onde de facto se aplica a máxima do Alqueva: "Construam-me, porra". Já sobre a 3ª ligação em auto-estrada entre Porto e Lisboa a máxima talvez pudesse ser inversa. Que te parece?
Mas voltando à linha do Norte: se é necessária uma nova via, então não será de a projectar num patamar tecnológico elevado? Entendo que sim, que deverá se projectada para alta velocidade, ainda que nos próximos 10 anos os comboios andem apenas a 200.
è que num horizonte de 100 anos não haverá outro canal e por isso este deve ser projectado com um mínimo de ambição, senão vamos passar a vida a beneficiar a nova linha, o que significa que a circulação estará sempre condicionada pelas obras em curso, isto é, com velocidades baixas e cumprimento de horários mais difícil. Veja-se como esta(va?) a funcionar a Linha do Norte a partir dos anos 90.

Sobre quem paga, também podemos falar, mas isto já vai muito longo.

Um grande abraço
João